LA ARTE CALLEJERA
Andar por Buenos Aires é deparar-se com inúmeros desenhos nas paredes. De variados tamanhos, cores, texturas e estilos, eles pintam a trajetória da arte urbana na capital
Texto e fotos por Fernanda Matricardi
Um pequeno bar-galeria, no charmoso bairro de Palermo, esconde um mundo de pinturas dos artistas de rua que ali se reúnem para conversar. Basta entrar para perceber que não é um lugar comum, todas as paredes são maciçamente pintadas, até os banheiros. As gravuras foram feitas pelos próprios artistas e o local ainda conta com uma sala que já recebeu mais de 60 exposições de pessoas ativas nas ruas, incluindo alguns brasileiros. A partir desse pequeno espaço, ao conversar com algumas figuras do meio, as portas da galeria se abrem para o grafite de toda a cidade.
Para que se abram completamente, é preciso antes conhecer algumas definições e entender esse universo artístico. O termo “grafite” caracteriza todo tipo de inscrição feita em paredes. Algumas técnicas utilizadas incluem o stencil, impressão de imagens em uma superfície através de uma moldura, a pichação, que contém frases ou palavras, a arte hiphop, associada a nomes ornamentados, e desenhos que mesclam pincel e spray de diversas formas.
Seja através de desenhos, arte hiphop, stencil ou de pichação, a arte urbana de Buenos Aires não possui uma “conotação tão negativa como em outras cidades”, como explica Malatesta (nome artístico), um dos artistas de rua responsáveis pela galeria. A origem dessa percepção positiva está na história da cidade.
Uma pincelada histórica
Foram os mexicanos que, por volta de 1930, chegaram à cidade e começaram a utilizar stencil nos muros. Porém, a arte ainda permaneceu tímida durante anos, até que, na década de 1950, durante o governo de Perón, voltou como forma de manifestação escrita, pichação, sobre política (principalmente com nome do presidente), futebol e ideias. Após o golpe militar, a repressão e o isolamento do resto do mundo desestimularam o desenvolvimento da street art e não há registros de pinturas (se houve, foram pouquíssimas).
A volta da democracia, no entanto, deu um impulso inicial para que os artistas urbanos voltassem às ruas, resultando na explosão dessa arte na década de 1990. Nesse período, o peso equivalente ao dólar permitiu que as pessoas viajassem pelo mundo, principalmente Europa e Estados Unidos, e trouxessem com elas o que viam pelas paredes das grandes cidades. Os artistas tinham a inspiração, faltavam-lhes o material e a coragem, pois tinham medo de serem presos. Não conheciam as regras que os outros artistas tinham na Europa, como a necessidade de usar spray, tampouco possuía esse tipo de material, mas aprenderam com os brasileiros a usar também o pincel, e a improvisar. Já a coragem foi se desenvolvendo paulatinamente: primeiro, pintavam à noite, até que os desenhos ficaram muito grandes e complexos e, então, começaram a pintar durante o dia. Atualmente, a maioria das pinturas é feita sob a luz do sol.
“Que se vão todos, que ninguém fique” é uma famosa frase pichada durante a crise de 2001. Durante esse período, com a difícil vida que levavam os argentinos, um grupo de universitários resolveu pintar os muros com cores, desenhos e algumas mensagens para alegrar a vida das pessoas que por ali passassem. Isso produziu uma memória positiva e, desde então, elas permitem que os artistas pintem os muros de suas casas e, por isso, o grafite é bem visto pela maioria dos cidadãos.
Buenos Aires, uma exposição aberta
A arte está presente nos muros de todos os bairros, mas é em La Boca e Barracas que ela se concentra, e lá que Malatesta afirma ser seu lugar preferido para pintar. Andar por esses bairros é um pouco perigoso, mas vale a pena para quem gosta de consumir street art, pela quantidade, qualidade e grandiosidade. A cada esquina dobrada, surge um mural.
Na região do famoso El Caminito, existe uma obra gigantesca de fundo azul, que retrata a revolta das mães pelos desaparecidos da Ditadura Militar – os detalhes e a proporção encantam. Dali, ao adentrar o bairro, pode-se encontrar outras grandes obras de artistas isolados e de alguns que fizeram parcerias. As pinturas em grupo, tanto de parcerias quanto localizadas lado a lado, ocorre, na maioria das vezes, por causa de eventos organizados pelos próprios artistas. São ruas inteiras de muros pintados, como uma exposição de quadros a céu aberto. Os temas são variados, de ilustrações, passando por hiphop à mensagem política.
Outros bairros também expõem suas obras. Alguns artistas pintam ao redor da região em que moram, como Ice (nome artístico), que deixou sua marca por todo Caballito. Na região central, por sua vez, os motivos são principalmente políticos – pichações com acusação, mensagens e desejos são marcantes -, já que ali se concentram os edifícios-sede dos grandes poderes. Mas há também os desenhos, como o do artista italiano Blu (nome artístico), que retrata os argentinos com os olhos vendados por uma faixa de cores da bandeira da Argentina. O bairro dos restaurantes, discotecas, bosques e do zoológico, Palermo, abriga também inúmeras obras. Porém, por estarem em uma região nobre, os artistas pintam para se promover lá, afirma Ice.